11 dúvidas sobre antibióticos e resistência bacteriana

A invenção dos antibióticos foi um marco na medicina do século XX, mas seu uso e a resistência bacteriana ainda geram muitas dúvidas
 Eles revolucionaram a maneira como tratamos infecções. Desde que o bacteriologista escocês Alexander Fleming descobriu a Penicilina, em 1925, os antibióticos vêm desempenhando um papel fundamental no combate às infecções causadas por bactérias.
No entanto, o uso indiscriminado desse tipo de medicamento passou a preocupar as autoridades mundiais de saúde, pois, quando um antibiótico é utilizado, as bactérias que ele combate podem se tornar resistentes ao tratamento. 
Este ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma lista de bactérias resistentes a múltiplos antibióticos[i]. Esses organismos têm capacidades inatas de encontrar formas de resistir ao ataque dos medicamentos e podem transmitir seu material genético para outras bactérias, fazendo com que também se tornem resistentes aos fármacos.
A lista da OMS é dividida em três categorias principais: AcinetobacterPseudomonas e várias Enterobacteriaceae (incluindo KlebsiellaE. coliSerratia e Proteus), responsáveis por causar problemas graves e que podem levar à morte, como infecções da corrente sanguínea e pneumonia.
Um relatório encomendado pelo governo britânico estima a morte de 10 milhões de pessoas por resistência bacteriana, em 2050, ultrapassando as mortes por câncer e diabetes, caso nenhuma medida de combate à resistência bacteriana seja instituída[ii].
Seja dentro de casa (sob prescrição médica) ou no ambiente hospitalar, o uso de antibióticos e a resistência bacteriana ainda causam muitas dúvidas. Abaixo, a Dra. Ana Gales, coordenadora do Comitê de Resistência Antimicrobiana da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), esclarece as principais. Confira!



1.    Qual a função dos antibióticos e por que sua invenção representa um marco na história da humanidade?
Os antibióticos são substâncias capazes de matar bactérias – microrganismos que causam infecções. Algumas dessas infecções são graves e podem levar à morte. O uso desses medicamentos evita consequências mais graves. Antes dos antibióticos, algumas infecções, como a meningite bacteriana e a pneumonia bacteriana tinham altas taxas de mortalidade, que foram reduzidas consideravelmente.

2.    O que são as chamadas “superbactérias”?
Nem sempre as superbactérias são as mais mortais. O que acontece é que elas carregam consigo muitos genes de resistência. Dessa maneira, há poucas opções terapêuticas para combatê-las, o que não significa uma sentença de morte e sim uma dificuldade maior de encontrar o tratamento mais adequado. 

3.    Quais são os riscos da resistência bacteriana?
O principal risco da resistência bacteriana é a redução do número de opções disponíveis para tratar as infecções.

4.    Muito se fala sobre o relação do uso inadequado de antibióticos e o aumento da resistência bacteriana. Como isso acontece e o que pode ser feito para evitar o problema?
A bactéria resistente já existe na natureza. Quando utilizamos um antibiótico, involuntariamente favorecemos seu crescimento, porque o tratamento atinge as bactérias mais sensíveis dando espaço e condições para que as remanescentes (mais resistentes) cresçam e se multipliquem.

A chave para frear o crescimento das bactérias resistentes é evitar o uso de antibióticos, não só em humanos, mas na criação de animais, de desinfetantes e de metais pesados que têm ação antimicrobiana e podem favorecer a resistência bacteriana.

A população em geral tem a ideia de que as bactérias necessariamente são vilãs, que sempre causam doenças. Na realidade, muitas são benéficas, a exemplo das presentes na microbiota intestinal que são responsáveis por vários processos como a digestão de alimentos.

5.    O que define o uso inadequado dos antibióticos?
Primeiro devemos definir o que é considerado adequado. Quando falamos em uso adequado, estamos falando daquele feito de acordo com o resultado do antibiograma, que é o teste realizado em laboratório para saber se a bactéria é sensível ao antibiótico ou não. Com isso estabelecido, a dose correta deve ser prescrita pelo período apropriado de tempo. No caso de infecções mais graves, a aplicação deve acontecer o mais rápido possível.

6.    Existe algum risco de se tomar antibióticos prolongadamente? Quanto mais eu tomo um antibiótico, menos efeito ele faz?
Nesse caso, maior é a chance de ter uma mudança no equilíbrio da microbiota (bactérias naturalmente presentes no corpo). Existem algumas bactérias no organismo humano cuja função é proteção. Quando tomamos um antibiótico de maneira inadequada, podemos matar as bactérias “boas” e dar espaço para bactérias não habituais aparecerem, sobreviverem e se multiplicarem.

7.    Por que não conseguimos mais comprar antibióticos sem receita?
O uso de antibióticos sempre foi condicionado à prescrição médica, mas desde outubro de 2010 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a exigir a retenção de receita para a compra de antibióticos. Isso aconteceu devido ao reconhecimento de que a resistência bacteriana ao antibiótico é um grave problema de saúde pública.

8.    Houve queda nos índices de uso de antibióticos no país desde a implementação da medida em 2010?
Sabemos que houve uma queda no uso de antibióticos pela população – que geralmente não são os mesmos prescritos no ambiente hospitalar. Enquanto, na maioria dos casos, para o público geral são prescritos medicamentos orais, no ambiente hospitalar geralmente são utilizados antibióticos de outros grupos, mais fortes e de administração intravenosa.

A questão é que a redução do uso de antimicrobianos terá resultados visíveis em longo prazo. Porém, outros fatores interferem na resistência. O uso de antibióticos em animais de criação (pecuária, suinocultura, avicultura, piscicultura) e agricultura – também influencia na taxa de resistência. Aliás, 70% dos antimicrobianos são de uso veterinário e não humano.

9.    Por que alguns antibióticos devem ser tomados de 6h em 6h, outros de 8h em 8h e outros de 12h em 12h?
A dose de um antibiótico varia de acordo com o tempo que cada um leva para sua concentração ser reduzida no sangue. Se eu tomar um antibiótico via oral, ele vai ser absorvido e passar para o sangue. Dependendo do tempo que demora para sua concentração cair no sangue – o que varia de medicamento para medicamento – haverá a metabolização e depois a excreção. Em linguagem clínica, o intervalo de doses é estabelecido pela meia-vida do antibiótico.

10.  Qual é o risco de tratar um paciente com antibiótico sem que haja a real necessidade de utilizá-lo?
O antibiótico pode salvar muitas vidas, realmente, mas é muito utilizado erroneamente em casos de doenças respiratórias virais. As pessoas têm a impressão de que um antibiótico pode, por exemplo, evitar que uma gripe se transforme em pneumonia e pressionam o médico pela prescrição. Não adianta tomar um antibiótico se não houver infecção bacteriana, pois caso haja uma posteriormente, o caso pode se agravar ou haverá infecção por uma bactéria pouco comum ou já resistente aos medicamentos mais indicados para o tratamento. 

11.  Há novos antibióticos sendo pesquisados para ajudar a conter a resistência bacteriana? Algumas companhias farmacêuticas estão enfrentando o desafio de desenvolver novos medicamentos eficazes no tratamento das bactérias multiresistentes. Um exemplo dessa movimentação é o investimento da MSD para disponibilizar um antibiótico que une de forma inédita os princípios ativos ceftolozana e tazobactam. O produto é indicado para tratar infecções intra-abdominais e das vias urinárias complicadas, causadas por Pseudômonas resistentes a carbapenêmicos como as Pseudomonas aeruginosa. Essas bactérias estão na lista de prioridade divulgada pela OMS.


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